"Quero-te conhecer"



Era este o corpo da mensagem escrita que recebi hoje. Imaginem! Alguém que demonstrou interesse em mim! Mas será que eu também tenho interesse?

Todos os dias é normal ver-se na rua duas pessoas de mãos dadas, a trocar afectos ou até mesmo a fazerem companhia a outras. O que eu vejo no meu reflexo: nada.


Hoje em dia deveríamos sentir-nos mais à vontade, mais acarinhados, não sei, com tantas comunidades aí existentes na Internet, é fácil conhecer alguém. Mas será fácil conhecer alguém que valha a pena?


Acordo de manhã cedo, levanto-me, tomo duche, dou duas ou três sacudidelas lá em baixo, visto-me e vou a comer pelo caminho até ao metro, seguindo para a faculdade onde passo o dia todo, sendo que ao final da tarde abandono este espaço e sigo para o trabalho, chegando a casa por volta das 23h, com trabalhos domésticos à minha espera e uns quantos ossos pra decorar, vou dormir pois no dia seguinte acordo de manhã cedo, levanto-me, tomo duche, dou duas ou três sacudidelas lá em baixo, e o resto vocês já conhecem.


Mas mesmo assim, estupidamente arranjo tempo para pensar no que não devo, sinto-me miserável estando aqui assim, sozinho, sem amigos, num mundo totalmente novo, claramente sinto-me deslocado, deslocado de tudo.


"Tens que sair e conhecer a cidade" é-me dito, não discordo que dessa forma pudesse conhecer mais lugares e mais pessoas, mas não tenho tempo, o pouco tempo que tempo dedico-o a lamentar-me pelo o que sou, pelo o que eu fiz, pelo o que não fiz.


"Quero-te conhecer" foi-me dito hoje, o que é certo é que cada vez menos interesse tenho nisso. Reclamo de que não tenho mas quando tenho, descarto... Existe sempre um defeito, mesmo que não haja, eu encontro. Talvez receio por um relacionamento, talvez consciência de que os erros não se cometem duas vezes, talvez seja mesmo desinteresse de minha parte, talvez seja mesmo assim tendo que ficar solitário por mais uns longos anos.


Outrora conheci alguém, alguém perfeito, semi-perfeito, um-bocadinho-perfeito, alguém de meu interesse: o meu reflexo.


E tudo isto se inicia aqui, iniciou-se nesse momento, iniciou-se muito antes, talvez não muito, mas um bocadinho antes.


Este meu reflexo não era nada mais de que uma pessoa com interesses em comuns, ou parecidos, quase iguais, ligeiramente semelhantes, alguém que me dava atenção, ou um bocadinho de, alguma vá, alguém que gostava de mim, mesmo muito, ou só um pouco, um gostar que não era suficiente, ou talvez era, mas não era só gostar, havia qualquer coisa mais, ou duas coisas a mais, talvez três, e mais três seis, qualquer coisa entre nós, entre mim e esse ser, algo que nos unia, que nos fazia nunca ficar sem assunto, alguém com total confiança, ou muita, ou alguma, talvez plena confiança, cega por dizer, uma perfeição de extremos, e de meios também, era alguém que eu gostava, gostava um pouco, talvez muito, abusadamente imenso.


Era o ideal para mim, ou para mim o ideal, mas surge um contratempo, uma distância física que impossibilitava consumar todo o desejo presente nas mensagens que religiosamente guardei no meu telemóvel. E assim a água onde via este meu reflexo, tão claro, tão nítido, tão espelhado, de repente fica turva, sem brilho, sem alegria.


Palavras que quase soltei e prendi-as novamente só para que as pudesse dizer ao teu ouvido, susurrando, ou dizendo bem alto para todos ouvirem, o quão especial é essa pessoa para mim, ou era, ou é.


"Quero-te conhecer" é-me dito, mas não sei o que isso significa, não sei o que há pra conhecer em mim, se nem eu me conheço, quem é que me vai conhecer?


Será este "quero-te conhecer" um convite sexual? Não deve ser, provavelmente, é capaz, sim, é isso mesmo. Mas eu não quero sexo, ou talvez quero, muito, ou pouco, o suficiente, mas não seria satisfatório, pois nem o sexo me satisfaz. E o amor? Já não sei se sei o que é isso.


Esse reflexo turvo agora sou eu, perdi alguém especial e agora sinto-me sem rumo, ou sei precisamente que caminho seguir, não sei nada, estou completamente à nora.


Já lá vão quase 12 meses, na altura foi-me dito que eu fui uma boa prenda de natal, mas parece que este ano o Pai Natal se chateou comigo. Gostava de te ter de volta, mas estás a seguir em frente e eu ainda estou aos círculos.


"Quero-te conhecer", digo isto a mim mesmo, mas é complicado, não saber nada de nós é assustador, só sei que nada sei, talvez sei que mereço mais do que isto, mereço encontrar alguém especial, tem que existir alguém especial, senão o que é que estarei aqui a fazer? Odeio-me, não gosto mesmo nada de mim, vou-me sentir miserável por mais uns minutos e depois vou dormir, pois amanhã acordo de manhã cedo, levanto-me, tomo duche, dou duas ou três sacudidelas lá em baixo, e o resto vocês já conhecem.

2 comentários:

  1. Wow... Não acredito que ninguém comentou isto...
    Queria ter palavras, se calhar tenho mas talvez algo me proíba das pronunciar.
    Acho simplesmente lindo e romântico.

    De certa forma posso considerar este post um reflexo meu.

    Eu também fui para Lisboa. Sabia que entrava onde queria. Mas senti-me assim: só.
    A diferença foi que voltei para casa sem se quer me inscrever.

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  2. @Gato Verde: Foi o primeiro post, é normal não ter tido muitas leituras, mesmo apesar de eu já ter colocado links em outros posts a reencaminhar para este.

    Agradeço as palavras :)
    Foi uma fase da minha vida, acho que encerrei alguns capítulos, especialmente hoje, mas isso é outra história :)

    Eu fui mais forte e fiquei, precisava de mudar :)

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